segunda-feira, 29 de julho de 2013

Gengibre



        O uso de plantas medicinais é uma prática de quase todas as culturas, e no Brasil não é diferente, principalmente pela flora ser vasta e generosa, contribuindo muito para a terapêutica.

O gengibre é o tubérculo de uma planta chamada Zingiber officinale, originária do sul da Ásia, porém atualmente espalhada pelo mundo. Fica difícil dizer se a sua difusão global, ao longo dos séculos, deve-se às suas propriedades medicinais ou à sua participação em inúmeros alimentos. Na culinária oriental, europeia e americana, o gengibre entra na confecção de mo­lhos para carnes, peixes, doces, bebidas alcoólicas. Na Índia, ele é amplamente utili­zado na culinária; na Jamaica é feita cerveja de gengibre; no Brasil temos o tradicional quentão das festas juninas e inúmeras outras participações em pratos regionais.

     Na área de saúde, o gengibre predomina no receituário po­pular como bom para a digestão, gripes e resfriados na forma de infusão para ingestão ou gargarejo. Na indicação médica for­mal, ele praticamente inexiste.

      Fitoquimicamente, o gengibre apresenta de 1-3% de óleo essencial (sesquiterpenos), 2,5-5% de princípios picantes (gingerol e shogaol). Ele tem sido usado para tratar várias condições clínicas, incluindo aquelas que afetam o trato digestório, tais como dispepsia (dificuldade de digestão), flatulência, náuseas e dor abdominal. É utilizado na medicina oriental tradicional contra sintomas como inflamação, doenças reumáticas, e desconfortos gastrointestinais.

        A ciência ocidental confirmou muitas das indicações tradicionais do gengibre e constatou que ele possui atividades antieméticas, antiinflamatórias e espasmolíticas; estimula a secreção gástrica e a salivação; estimula a circulação periférica e aumenta a motilidade gástrica. Os mecanismos de ação do gengibre para as náuseas não são plenamente compreendidos, mas podem resultar da capacidade do gengibre de evitar arritmias gástricas por meio da inibição da produção das prostaglandinas, embora não haja inibição da função das prostaglandinas.

       No Brasil, os produtos disponíveis no mercado são: amido do gengibre, balas e cristais de gengibre e bebida alcoólica com gengibre, além do gengibre em pó.

    O gengibre tem sido incluído no “Geralmente Reconhecido como Seguro” (GRAS), documento da FDA (Food and Drug Administration). É caracterizado por este órgão como aditivo alimentar, mas atualmente é estudado como um tratamento para náuseas e vômitos. Efeitos adversos após a ingestão de gengibre não são conhecidos. Em alguns estudos foram descritos leves efeitos gastrointestinais, como azia, diarréia e irritação na boca. Devido à possibilidade de aumentar o risco de fibrinólise (processo de destruição de um coágulo de fibrina, que é um produto da coagulação do sangue), recomenda-se cautela em pacientes que tomam altas doses de anticoagulantes como a varfarina.

       Os gingeróis, principalmente o 6-gingerol são identificados como os maiores constituintes dos rizomas de gengibre fresco e têm sido atribuídos a eles vários efeitos farmacológicos: analgésico, antipirético, atividade anti-hepatotóxica, antinauseante e antiinflamatória. Ele também inibe a promoção de tumor mediada, indução da ornitina e TNF-α na pele de ratos. Além disso, inibe fator de crescimento epidérmico (EGF) induzido por transformações neoplásicas em células epidérmicas de rato JB6. Assim ele é considerado um potencial quimipreventivo e anti-tumoral. É conhecido por inibir o Fator Nuclear Kappa-Beta (NF-κβ) e a Proteína ativada-1 (AP-1, fator que regula a expressão de vários genes que estão envolvidos na diferenciação e proliferação celular na tumorigênese) processo de ativação, 6-gingerol e pode causar uma supressão significativa da proliferação celular e sensibiliza as células para apoptose (morte celular programada).

     Os estudos apontam que o gengibre é capaz de auxiliar o tratamento de pacientes oncológicos tratados com quimioterapia por meio da redução dos sintomas de náuseas e vômitos, dentre outros efeitos benéficos, constituindo uma promissora terapia adjuvante do câncer. Entretanto, mais estudos são necessários para que se possa identificar a dose exata de gengibre que deve ser ofertada aos pacientes oncológicos para o controle de cada um desses sintomas.

     Basicamente os gingeróis e shogaóis são os responsáveis pela maior parte das atividades terapêuticas do gengibre. O shogaol, que é um produto da quebra de gingerol produzido durante a secagem, é duas vezes mais pungente que o gingerol. Investigando os efeitos dos componentes oleorresinosos do gengibre, alguns autores compararam a atividade dos gingeróis e shogaóis na inibição da enzima ciclooxigenase do tipo 2. Tal enzima é um produto da ativação do ácido araquidônico e é conhecida como a ciclooxigenase induzível no processo inflamatório. Tanto os gingeróis como os shogaóis foram capazes de inibir a ciclooxigenase -2 em modelos experimentais in vitro.

       A sua ação antiinflamatória e cicatrizante, e o seu uso sobre a mucosa oral, encontram-se pouco esclarecidos na literatura científica. O processo inflamatório é mediado por uma série de mediadores que promovem e facilitam a transmissão dolorosa, hiperalgesia (sensibilidade exagerada à dor) e as alterações clássicas periféricas como dor, calor, rubor, aumento da permeabilidade vascular, atração de células fagocitárias, neutrófilos, linfócitos e polimorfonucleares. O suco fresco de gengibre foi descrito como alívio efetivo contra dor, bolhas e inflamação provocada por queimaduras. Um estudo realizado verificou a capacidade antiinflamatória do extrato dos rizomas do gengibre sobre o edema de pele de ratos e observou que o composto oleorresinoso, quando aplicado topicamente, provocava uma diminuição do edema, porém resultados similares não foram encontrados quando o gengibre foi utilizado na sua forma de extrato aquoso, muito provavelmente em função de que os compostos oleorresinosos detenham as suas propriedades terapêuticas antiinflamatórias.

    Além de todas as propriedades apresentadas pelo gengibre, a sua atividade antimicrobiana está sendo bastante estudada. Pesquisas mostram que óleos e extratos de Zingiber officinale apresentam ação inibitória em bactérias gram positivas e gram negativas, porém ainda há poucos estudos que relacionam o gengibre aos microorganismos prevalentes na cavidade bucal, visto que esta apresenta uma flora bastante variada e que pode desencadear inúmeras patogenias.


         Os extratos de gengibre também já foram destacados na redução de peso. Em algumas pesquisas esses extratos podem auxiliar na redução de níveis elevados de lipídios e de glicose em obesidade relacionado com a resistência à insulina, pois estes inibem enzimas que limitam o metabolismo do LDL (colesterol ruim). Vale ressaltar que o gengibre pode ser utilizado de diversas formas e em variadas receitas. Em geral, não apresenta uma quantidade de consumo ideal, mas cuidado, alguns estudos demonstram que o excesso do consumo desse condimento para mulheres grávidas pode ter efeito abortivo.

As informações contidas neste blog, não devem ser substituídas por atendimento presencial aos profissionais da área de saúde, como médicos, nutricionistas, psicólogos, educadores físicos e etc. e sim, utilizadas única e exclusivamente, para seu conhecimento.


Referências Bibliográficas:

Aranha, JB. Gengibre e seus benefícios. Grupo de Estudo em Alimentos Funcionais. Disponível em: www.alimentofuncional.webnode.com Acessado em: 04/07/2013.

Barreto, AMC; Toscano, BAF; Fontes, RC. Efeitos do gengibre (Zingiber officinale) em pacientes oncológicos tratados com quimioterapia. Com Ciências Saúde 2011, v.22, n.3: p.257-270.

Goyal, RK; Kadnur, SV. Beneficial effects of Zingiber officinale on goldthioglucose induced obesity. Fitoterapia 2006, v.77: p. 160-163.

Grégio, AMT; Fortes, ESM; Rosa, EAR; Simeoni, RB; Rosa; RT. Ação antimicrobiana do Zingiber officinale frente à microbiota bucal. Rev Estud Biol 2006, v.28, n.62: p.61-66.

Júnior, HPL; Lemos, ALA. Gengibre. Disciplina de Medicina de Urgência e Medicina Baseada em Evidências da Universidade Federal de São Paulo — Escola Paulista de Medicina (Unifesp-EPM), Centro Cochrane do Brasil.   Diagn Tratamento 2010, v.15, n.4: p.174-178.

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Anemia Ferropriva



A anemia é definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como “um estado em que a concentração de hemoglobina do sangue é anormalmente baixa em consequência da carência de um ou mais nutrientes essenciais, qualquer que seja a origem dessa carência”. Já a anemia por deficiência de ferro, ou anemia ferropriva, resulta de longo período de balanço negativo entre a quantidade de ferro biologicamente disponível e a necessidade orgânica desse oligoelemento.

A anemia por deficiência de ferro é, isoladamente, a mais comum das deficiências nutricionais do mundo e ocorre como resultado de perda sanguínea crônica, perdas urinárias, ingestão e/ou absorção deficiente e aumento do volume sanguíneo. Os sinais e os sintomas mais frequentemente observados são inespecíficos, como anorexia, palidez, apatia, irritabilidade, cansaço, fraqueza muscular e dificuldade na realização de atividade física. O diagnóstico do estado nutricional relativo ao ferro é realizado principalmente por meio de exames laboratoriais.

No mundo, a deficiência de ferro atinge mais de 2 bilhões de pessoas, estimando-se uma prevalência total de 40% da população.

No Brasil, não há levantamento nacional da prevalência de anemia, somente estudos em diferentes regiões, que mostram alta prevalência da doença, estimando-se que cerca de 4,8 milhões de pré-escolares sejam atingidos pela doença. Estudos apontam elevada prevalência de anemia principalmente em crianças menores de 5 anos (a proporção de anemia em crianças menores de 2 anos situa-se entre 50 a 83,5%), sendo a faixa etária de 6 a 23 meses a de maior risco para o desenvolvimento desta doença. Apesar da inexistência de estudos nacionais abrangentes, dados regionais têm demonstrado elevada prevalência de anemia no Brasil, em todas as idades e níveis socioeconômicos.
 
Ferro

            O ferro, mineral mais abundante da terra, é um dos micronutrientes mais estudados e melhor descritos na literatura. Ele desempenha importantes funções no metabolismo humano, tais como transporte, armazenamento de oxigênio e inúmeras outras funções.

            A maior quantidade de ferro do organismo encontra-se na forma de hemoglobina (~ 65%), o restante distribui-se na composição de outras proteínas, enzimas e na forma de depósitos, como ferritina e hemossiderina (15 a 30%).

            A manutenção de níveis normais de hemoglobina no sangue requer um suprimento adequado de ferro sendo que a carência do mineral é o resultado do equilíbrio negativo a longo prazo. Inicialmente tem-se a depleção de ferro, diminuindo os estoques de ferro do sistema retículo-endotelial, logo ocorre a deficiência de ferro circulante, a qual é caracterizada pela eritropoiese (processo de produção dos eritrócitos, também denominados hemácias ou glóbulos vermelhos) deficiente com diminuição no aporte de ferro para os órgãos e tecidos, e por último a anemia ferropriva, que é caracterizada pela concentração anormalmente baixa de hemoglobina.

            De acordo com o estudo realizado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (2002-2003), a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) indica que a participação relativa de alimentos de origem animal (carnes, leite e derivados e ovos) corresponde a cerca de 20% das calorias totais; as carnes, isoladamente, têm a participação de aproximadamente 12% das calorias totais. Frutas, verduras e legumes correspondem a apenas 2,3% das calorias totais. Esses valores quando comparados a dados de estudos anteriores, indicam uma tendência ao aumento da ingestão de carnes, importante fonte de ferro, e diminuição de hortaliças e frutas em geral.

            A biodisponibilidade do ferro depende do tipo de alimento consumido e da combinação deste com outros na dieta. Normalmente, só 5 a 15% do ferro consumido é absorvido. O ferro heme, derivado da hemoglobina e da mioglobina e presente nas carnes de gado bovino, peixes, aves, vísceras e embutidos apresenta alta disponibilidade, já o ferro não heme, derivado de cereais, leguminosas, tubérculos, vegetais, frutas, ovos e em pequenas quantidades nas carnes, tem sua biodisponibilidade variável, dependendo da composição de cada refeição. O potencial de absorção do mineral pode aumentar quando o consumo é concomitante com o do ácido ascórbico e/ou das próprias carnes, que exercem um papel triplo: fonte de ferro, fonte de ferro hemínico e ativador da absorção do nutriente.

            O quadro abaixo mostra o conteúdo de ferro dos alimentos e sua biodisponibilidade.

Quadro 1. Conteúdo de ferro e sua biodisponibilidade em alimentos.


          A idade, sexo e estado fisiológico determinam a necessidade de ferro. A necessidade de ferro antes dos 6 meses de idade, com a dieta exclusivamente láctea, é principalmente atendida pelos estoques de ferro aos nascer. Depois disto, a alimentação complementar passa a principal fonte do nutriente.

          A deficiência de ferro acarreta consequências deletérias para a totalidade de indivíduos que a apresentam. É mais freqüente entre indivíduos em crescimento e mulheres em idade reprodutiva e gestantes.

Anemia Ferropriva

         A anemia ferropriva pode representar um considerável risco à saúde, estando associada a prejuízos na capacidade produtiva dos indivíduos; problemas no desenvolvimento motor, cognitivo, crescimento físico de lactentes e crianças, além da redução na capacidade imunológica, acarretando maior susceptibilidade às infecções.

    Nas crianças, a anemia resulta em importantes desordens físicas e mentais, esta deficiência é acompanhada da incapacidade de fixar atenção, diminuindo a acuidade mental, sonolência e irritabilidade, que podem trazer como consequências o baixo aproveitamento escolar.

Diagnóstico Laboratorial

       O estado final da carência de ferro está associado a um significativo decréscimo na concentração de hemoglobina. Portanto, a dosagem da concentração de hemoglobina é o método indispensável para verificar a prevalência de anemia em uma população.

Segundo a Organização Mundial da Saúde, define-se anemia, para crianças menores de 5 anos e gestantes, como níveis de hemoglobina inferiores a 11g/dL. Para as crianças de 5 a 11 anos, o diagnóstico de anemia é feito quando a hemoglobina é menor que 11,5g/dL; para adolescentes de 12 a 14 anos e para mulheres não-grávidas, abaixo de 12g/dL; e, finalmente, para adultos do sexo masculino acima de 15 anos, abaixo de 13g/dL.

Necessidades e Recomendações

O trato intestinal tem um papel muito importante no mecanismo de reciclagem do ferro corporal, pois a absorção pode ser modificada conforme as necessidades do organismo, ou seja, quando as reservas são baixas, ocorre aumento significativo da absorção e, contrariamente, quando altas, sua inibição.

Levando-se em consideração esses aspectos, pode-se entender que as necessidades diárias de ferro são pequenas e variam conforme a fase da vida. Dessa forma, considerando-se absorção de 10%, a RDA (Recommended Dietary Allowances) preconiza ingestão diária de 10mg de ferro elementar para crianças de 6 meses a 3 anos; 12 e 15mg, para adolescentes do sexo masculino e feminino, respectivamente; 10mg para adultos masculinos e femininos após cessarem as perdas menstruais; e 15mg para o sexo feminino em idade reprodutiva e nutrizes. Para gestantes as necessidades diárias são de 30mg.

→ Prevenção

            A prevenção da anemia ferropriva e da deficiência de ferro deve ser planejada priorizando-se a educação nutricional e condições ambientais satisfatórias e envolvendo-se: o incentivo ao aleitamento materno exclusivo até o sexto mês; a não utilização do leite de vaca no primeiro ano de vida; a suplementação medicamentosa profilática; a fortificação de alimentos de consumo massivo; o controle de infecções; acesso a água e esgoto adequados; e o estímulo ao consumo de alimentos que contenham ferro de alta biodisponibilidade na fase de introdução da alimentação complementar e em fases de maior vulnerabilidade a essa deficiência, como a adolescência.

As atuais políticas adotadas pelo Programa Nacional de Combate à Anemia Carencial Ferropriva do Ministério da Saúde, no intuito de reduzir a prevalência de anemia ferropriva, consistem na suplementação medicamentosa profilática (lactentes) e na fortificação de alimentos. A eficácia do esquema semanal (25 mg/semana até 18 meses) ainda não foi devidamente comprovada. Ressalta-se que, embora a suplementação medicamentosa seja eficaz na prevenção e controle da anemia, a baixa adesão ao método por fraco vínculo mãe-filho, baixo grau de instrução e inadequada percepção da gravidade da doença leva à interrupção da administração do medicamento e ao insucesso do programa. Esse fato explica por que os índices de anemia continuam em ascensão, apesar de sucessivos programas de combate à doença.
 
Fortificação dos alimentos

A fortificação de alimento vigente no Brasil, desde junho de 2004, consiste em uso obrigatório de compostos de ferro e ácido fólico nas farinhas de milho e trigo (100 g do produto contêm 4,2 mg de ferro e 150 μg de ácido fólico). Outros alimentos industrializados fortificados com ferro são: biscoitos, cereais, temperos como molho de soja, leite ou derivados. Estes alimentos foram escolhidos para fortificação pelo baixo custo, por pertencerem à dieta habitual e por serem de fácil acesso para a população.

Estudos comprovam a eficácia da utilização de fórmulas infantis e leites fortificados, com sulfato ferroso e ferro quelato, na profilaxia da anemia em crianças menores de dois anos, na impossibilidade de manutenção do aleitamento materno.

As informações contidas neste blog, não devem ser substituídas por atendimento presencial aos profissionais da área de saúde, como médicos, nutricionistas, psicólogos, educadores físicos e etc. e sim, utilizadas única e exclusivamente, para seu conhecimento.

Referências Bibliográficas:

Anemia Carencial Ferropriva. Sociedade Brasileira de Pediatria. Disponível em: www.sbp.com.br Acessado em: 07/07/2013.

Carvalho,MC; Baracat, ECE; Sgarbieri, VC. Anemia Ferropriva e Anemia de Doença Crônica: Distúrbios do Metabolismo de Ferro. Rev Segurança Alimentar e Nutricional 2006; v.13, n.2: p.54-63.

Castro, TG. Anemia Ferropriva na Infância: Prevalência e Fatores Associados na Amazônia Ocidental Brasileira. [Tese de Doutorado] Universidade de São Paulo – USP, 2007.

Jordão, RE; Bernardi, JLD; Filho, AAB. Prevalência de anemia ferropriva no Brasil: uma revisão sistemática. Rev Paul Pediatr 2009; v.27, n.1: p.90-98.

Queiroz, SS; Torres, MAA. Anemia ferropriva na infância. J Pediatr 2000; v.76, Supl.3: s298-s304.

Queiroz, AR. Prevalência de anemia e fatores associados em ingressantes no ensino fundamental de escolas públicas do município de São Bernardo do Campo, estado de São Paulo. [Dissertação de Mestrado] Universidade de São Paulo – USP, 2007.

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Dislipidemias



Os principais lipídios para o ser humano são: ácidos graxos, colesterol, triglicérides e fosfolipídios. Estas moléculas constituem a porção lipídica das lipoproteínas (forma de transporte dos lipídios na circulação sanguínea). A maioria dos ácidos graxos pode ser sintetizada pelo fígado, com exceção do linoléico e de seu metabólito, o ácido araquidônico (ácidos graxos essenciais). A outra parte das lipoproteínas é constituída de proteínas especiais, denominadas apolipoproteínas ou apoproteínas. Estas têm as seguintes funções: transporte dos lipídios na corrente sanguínea; ligação com os receptores celulares; ativação de determinadas enzimas.

          O colesterol é importante para a formação e função das membranas celulares e para a síntese de sais biliares, de hormônios esteróides e da vitamina D. Os triglicérides têm papel energético, para utilização imediata ou após armazenamento, enquanto os fosfolipídios são importantes para manter a integridade das membranas celulares e a solubilidade dos ésteres de colesterol e dos triglicérides no interior das lipoproteínas.

        As fontes de lipídios do organismo são a síntese interna (endógena) e a alimentação (exógena).
 

Lipoproteína 

Ciclo Exógeno: tem início com a absorção dos lipídios provenientes da alimentação e síntese dos quilomícrons (lipoproteína) pelas células intestinais. Estes entram na circulação linfática e ganham a corrente sanguínea pelo ducto torácico. Nos vasos capilares do tecido adiposo e muscular, os quilomícrons entram em contato com a enzima lipase lipoproteica, a qual, ativada pela apoproteína C-II, hidrolisa os triglicerídeos, retirando ácidos graxos dos quilomícrons, os quais se tornam menores (quilomícrons remanescentes). Estes são rapidamente removidos da circulação pelas células hepáticas que possuem receptores para a apolipoproteína E presente nos quilomícrons remanescentes. No interior das células, os quilomícrons remanescentes são fragmentados e parte do material lipídico é aproveitado, sendo o excedente reorganizado em outro tipo de lipoproteínas, juntamente com a parte sintetizada pelo fígado.

Ciclo Endógeno: tem início com a síntese hepática de uma liproproteína denominada VLDL (very low density lipoprotein ou lipoproteína de muito baixa densidade), a qual contém, como lipídios, principalmente os triglicérides e, como as apos B-100 e E. Na circulação capilar as VLDL entram em contato com a lipase lipoprotéica dando origem aos VLDL remanescente ou IDL (intermediate density lipoprotein, lipoproteína de densidade intermediária). Estes têm dois caminhos: continuam sob ação da lipase lipoprotéica e são absorvidos pelo fígado ou sofrem ação da lipase hepática, dando origem às LDL (low density lipoprotein ou lipoproteína de baixa densidade). Tanto as LDL como as IDL são retiradas da circulação por receptores celulares B/E, existentes principalmente no fígado. Uma vez no interior das células, estas lipoproteínas são fragmentadas e liberam colesterol livre e aminoácidos. O colesterol livre é utilizado imediatamente ou armazenado após esterificação. A síntese intracelular de colesterol e dos receptores B/E varia na razão inversa da captação do colesterol plasmático.

            Parte do material liberado pela ação da lipase lipoprotéica sobre os quilomícrons e as VLDL é utilizado na fabricação de outra lipoproteína: a HDL (high density lipoprotein ou lipoproteína de alta densidade), sintetizada no intestino e no fígado. A sua principal apoproteína é a A-I. A HDL é responsável pelo chamado transporte reverso do colesterol: retira-o das células e troca-o com outras lipoproteínas (principalmente as VLDL), sob ação da enzima CETP (cholesterol esther transfer protein ou proteína de transferência do colesterol esterificado), ou leva-o diretamente para o fígado.

            A única maneira que o organismo dispõe para eliminar colesterol é através da bile, como colesterol livre ou como ácido biliar.

Dislipidemias

            A dislipidemia é definida como distúrbio que altera os níveis séricos dos lipídios. As alterações do perfil lipídico podem incluir colesterol total alto, triglicerídeos alto, colesterol de lipoproteína de alta densidade baixo (HDL-c) e níveis elevados de colesterol de lipoproteína de baixa densidade (LDL-c). Em consequência, a dislipidemia é considerada como um dos principais determinantes da ocorrência de doenças cardiovasculares (DCV) e cerebrovasculares, dentre elas aterosclerose (espessamento e perda da elasticidade das paredes das artérias), infarto agudo do miocárdio, doença isquêmica do coração (diminuição da irrigação sanguínea no coração) e AVC (derrame). De acordo com o tipo de alteração dos níveis séricos de lipídios, a dislipidemia é classificada como: hipercolesterolemia isolada, hipertrigliceridemia isolada, hiperlipidemia mista e HDL-c baixo.

Os níveis de lipídios na corrente sanguínea estão associados ao hábito de praticar exercícios, de ingerir bebidas alcoólicas, carboidratos e gorduras. Além disso, o índice de massa corpórea e idade influenciam as taxas de gordura sérica. A atividade física aeróbica regular, como corrida e caminhada, constitui medida auxiliar para o controle da dislipidemia.


Tratamento Não Medicamentoso das Dislipidemias

Atualmente, o tratamento das dislipidemias tem como objetivo principal o controle do LDL-colesterol, pois a terapia de redução desta fração diminui os riscos das doenças cardiovasculares.

Quadro 1. Valores de referência (mg/dL) dos lipídios plasmáticos para indivíduos maiores de 20 anos de idade.

          A dieta é a primeira opção de tratamento para a hipercolesterolemia. Os componentes dietéticos que mais elevam o colesterol são as gorduras saturadas e as transisoméricas (trans), bem como o colesterol dietético.

O objetivo principal é reduzir a quantidade total de ácidos graxos saturados e colesterol ingerido e adequar as calorias de acordo com as necessidades individuais para promover a perda de peso.

Hipercolesterolemia

Colesterol e ácidos graxos saturados

           Os conteúdos alimentares de gorduras saturadas e de colesterol influenciam diferentemente os níveis lipídicos plasmáticos, em especial a colesterolemia. A maioria da população absorve aproximadamente metade do colesterol presente na luz intestinal, enquanto uma minoria é hiperresponsiva, ou seja, absorve maior quantidade. A absorção de gordura saturada, no entanto, não é limitada e, por isso, sua ingestão promove efeito mais intenso sobre a colesterolemia.

Para reduzir a ingestão de colesterol, deve-se diminuir o consumo de alimentos de origem animal, em especial as vísceras, leite integral e seus derivados, embutidos, frios, pele de aves e frutos do mar (camarão, ostra, marisco, polvo, lagosta). Para diminuir o consumo de ácidos graxos saturados, aconselha-se a redução da ingestão de gordura animal (carnes gordurosas, leite e derivados), de polpa e leite de coco e de alguns óleos vegetais, como os de dendê.

Ácidos graxos insaturados
             
            Os ácidos graxos insaturados são classificados em duas categorias principais: poliinsaturados representados pelas séries ômega-6 (linoléico e araquidônico) e ômega-3 (alfalinolênico, eicosapentaenóico-EPA e docosahexaenóico-DHA) e monoinsaturados representados pela série ômega-9 (oléico). O ácido linoléico é essencial e o precursor dos demais ácidos graxos poliinsaturados da série ômega-6, cujas fontes alimentares são os óleos vegetais de soja, milho, e girassol. A substituição isocalórica dos ácidos graxos saturados por ácidos graxos poliinsaturados reduz o colesterol total e o LDL-c plasmáticos. Os ácidos graxos poliinsaturados possuem o inconveniente de induzir maior oxidação lipídica e diminuir o HDL-c quando utilizados em grande quantidade. Os ácidos graxos ômega-3 (linolênico, EPA e DHA) são encontrados respectivamente nos vegetais (soja, canola e linhaça) e em peixes de águas frias (cavala, sardinha, salmão, arenque). Promovem redução dos triglicerídeos plasmáticos pela diminuição da síntese hepática de VLDL, podendo ainda exercer outros efeitos cardiovasculares, como redução da viscosidade do sangue, maior relaxamento do endotélio e também efeitos antiarrítmicos. Os ácidos graxos monoinsaturados (oléico) exercem o mesmo efeito sobre a colesterolemia, sem, no entanto, diminuir o HDL-c e provocar oxidação lipídica. Suas principais fontes dietéticas são o óleo de oliva, óleo de canola, azeitona, abacate e oleaginosas (amendoim, castanhas, nozes, amêndoas).

Ácidos graxos trans

          Os ácidos graxos trans são sintetizados durante o processo de hidrogenação dos óleos vegetais. Os ácidos graxos trans aumentam o LDL-c e reduzem o HDL-c, aumentando assim a razão LDL-c/HDL-c e, da mesma forma que outros ácidos graxos, aumentam os triglicérides. A principal fonte de ácidos graxos trans na dieta é a gordura vegetal hidrogenada, utilizada no preparo de sorvetes cremosos, chocolates, pães recheados, molhos para salada, sobremesas cremosas, biscoitos recheados, alimentos com consistência crocante (nuggets, croissants, tortas), bolos industrializados, margarinas duras e alguns alimentos produzidos em redes de “fast-foods”. Não há consenso em relação à quantidade máxima permitida na dieta, no entanto, recomenda-se que a ingestão de gordura
trans deva ser menor que 1% das calorias totais da dieta.

Fibras

          São carboidratos complexos classificados de acordo com sua solubilidade, em solúveis e insolúveis. As fibras solúveis são representadas pela pectina (frutas) e pelas gomas (aveia, cevada e leguminosas: feijão, grão de bico, lentilha e ervilha). Estas fibras reduzem o tempo de trânsito gastrointestinal e a absorção enteral do colesterol. O farelo de aveia é o alimento mais rico em fibras solúveis e pode, portanto, diminuir moderadamente o colesterol sangüíneo. As fibras insolúveis não atuam sobre a colesterolemia, mas aumentam a saciedade, auxiliando na redução da ingestão calórica. São representadas pela celulose (trigo), hemicelulose (grãos) e lignina (hortaliças). A recomendação de ingestão de fibra alimentar total para adultos é de 20 a 30 g/dia, 5 a 10g destas devendo ser solúveis, como medida adicional para a redução do colesterol.


Fitosteróis

         Os fitosteróis são encontrados apenas nos vegetais e desempenham funções estruturais análogas ao colesterol em tecidos animais. O β-sitosterol, extraído dos óleos vegetais é o principal fitosterol encontrado nos alimentos. Reduzem a colesterolemia por competirem com a absorção do colesterol da luz intestinal. Uma dieta balanceada com quantidades adequadas de vegetais fornece aproximadamente 200 a 400mg de fitosteróis e os níveis plasmáticos variam de 0,3 a 1,7 mg/dL. No entanto, é necessária a ingestão de 2 g/dia de fitosteróis para a redução média de 10-15% do LDL-c. Os fitosteróis não influenciam os níveis plasmáticos de HDL-c e de triglicérides. A ingestão de 3 a 4 g/dia de fitosteróis pode ser utilizada como adjuvante ao tratamento hipolipemiante.

Proteína da soja

       A ingestão de proteína da soja (25 gramas /dia) pode reduzir o colesterol plasmático (-6% do LDL-c) e, portanto, pode ser considerada como auxiliar no tratamento da hipercolesterolemia. Os dados disponíveis são contraditórios quanto aos efeitos sobre os triglicerídeos e HDL-c. Estudos com maiores casuísticas e delineamentos mais específicos a esta questão serão necessários. As principais fontes de soja na alimentação são: feijão de soja, óleo de soja, queijo de soja (tofu), molho e soja (shoyo), farinha de soja, leite de soja e o concentrado protéico da soja. Este concentrado exclui a presença de gorduras, mantendo carboidratos e 75% da sua composição em proteínas e é amplamente utilizado como base de alimentos liofilizados e como “suplemento protéico”.

Antioxidantes

           Os antioxidantes, dentre eles os flavonóides, presentes na dieta podem potencialmente estar envolvidos na prevenção da aterosclerose por inibirem a oxidação das LDL, diminuindo sua aterogenicidade e, conseqüentemente, os risco de doença arterial coronária. Os flavonóides são antioxidantes polifenólicos encontrados nos alimentos, principalmente nas verduras, frutas (cereja, amora, uva, morango, jabuticaba), grãos, sementes, castanhas, condimentos e ervas e também em bebidas como vinho, suco de uva e chá. Alimentação rica em frutas e vegetais diversificados fornece doses apropriadas de substâncias antioxidantes, que certamente contribuirão para a manutenção da saúde.

Quadro 2. Recomendações dietéticas para o tratamento da hipercolesterolemia.

Hipertrigliceridemia

Excesso de peso, sedentarismo, tabagismo, consumo excessivo de álcool e carboidratos, diabetes melito, insuficiência renal crônica, certos medicamentos e distúrbios genéticos, como dislipidemias familiares, são fatores que contribuem para a elevação da trigliceridemia.

           Na prática clínica, a hipertrigliceridemia é mais encontrada em pacientes com síndrome metabólica.

Quadro 3. Valores de referência (mg/dl) dos triglicérides plasmáticos para indivíduos maiores de 20 anos de idade.


Quando estiverem limítrofes (150-199mg/dl), a ênfase deve ser dada para a redução ponderal e aumento da atividade física. Entre 200-499mg/dl, em pacientes de alto risco, além do controle de peso e da atividade física, a terapia medicamentosa deve ser considerada. Quando forem muito elevados (≥ 500mg/dl), o principal objetivo é prevenir o aparecimento de pancreatite aguda, em que o consumo de gorduras deve ser inferior a 15% do valor calórico total, além das modificações citadas anteriormente.

Atividade Física

           A atividade física regular constitui medida auxiliar para o controle das dislipidemias e tratamento da doença arterial coronária. A prática de exercícios físicos aeróbios promove redução dos níveis plasmáticos de triglicérides, aumento dos níveis de HDL-c, porém sem alterações significativas sobre as concentrações de LDL-c.

O programa de treinamento físico, para a prevenção ou para a reabilitação, deve incluir exercícios aeróbios, tais como, caminhadas, corridas leves, ciclismo, natação. Os exercícios devem ser realizados de três a seis vezes por semana, em sessões de duração de 30 a 60 minutos.

            Na presença de resistência à insulina e intolerância à glicose, o consumo de açúcares simples e carboidratos refinados devem ser evitados. O consumo excessivo de álcool pode agravar a hipertrigliceridemia.


As informações contidas neste blog, não devem ser substituídas por atendimento presencial aos profissionais da área de saúde, como médicos, nutricionistas, psicólogos, educadores físicos e etc. e sim, utilizadas única e exclusivamente, para seu conhecimento.


Referências Bibliográficas:

IV Diretriz Brasileira Sobre Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose. Departamento de Aterosclerose da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Disponível em: www.publicacoes.cardiol.br Acessado em: 08/07/2013.

Castro, LCV; Franceschini, SCC; Priore, SE; Pelúzio, MCG. Nutrição e doenças cardiovasculares: os marcadores de risco em adultos. Rev. Nutr. 2004, v.17, n.3: p.369-377.

Consenso Brasileiro Sobre Dislipidemias: Detecção, Avaliação e Tratamento. Sociedade Brasileira de Cardiologia. Disponível em: www.publicacoes.cardiol.br Acessado em: 08/07/2013.

Dislipidemias. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Disponível em: www.portal.anvisa.gov.br Acessado em: 08/07/2013.

Isosaki, M; Cardoso, E. Manual de Dietoterapia e Avaliação Nutricional do serviço de nutrição e dietética do Instituto do Coração – HCFMUSP. 1 ed. São Paulo: Editora Atheneu, 2004: p.13-18.

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Alimentação no Diabetes Mellitus Tipo 1



O diabetes mellitus (DM) é uma síndrome metabólica caracterizada por hiperglicemia, resultante da deficiência na secreção e/ou ação da insulina. Resulta em distúrbios no metabolismo dos carboidratos, gorduras e proteínas. A hiperglicemia crônica está associada com danos, disfunção e falência em vários órgãos, especialmente olhos, rins, coração, sistema nervoso e artérias. O diabetes mellitus tipo 1 (DM1) pode ocorrer em qualquer idade, entretanto acomete principalmente crianças, adolescentes e adultos jovens. Ocorre a destruição das células β (beta), levando a uma deficiência absoluta de insulina.

     O tratamento do DM1 deve ser individualizado e consiste de uso de insulina, monitorização domiciliar de glicose, plano de alimentação, atividade física, educação em diabetes e apoio emocional. Uma dieta inadequada ou uma baixa adesão à prescrição dietética está associada ao mau controle do DM.

      No decorrer do século passado, as diretrizes nutricionais foram gradativamente revisadas e se passou a recomendar aumento do consumo de carboidratos e controle na ingestão de alimentos ricos em gordura. Na verdade, indivíduos diabéticos devem ser encorajados a ingerir dieta balanceada, que forneça todos os macro e micronutrientes essenciais, em quantidades corretas. A terapia nutricional deve objetivar não somente o equilíbrio glicêmico, mas também a prevenção do risco cardiovascular, visando ao controle dos lípides e lipoproteínas plasmáticas, além de mediar os processos inflamatórios. Deve-se ter como finalidade prevenir e retardar a taxa de desenvolvimento de complicações. No caso de crianças e adolescentes, também precisa proporcionar crescimento e desenvolvimento adequados.

     No atendimento de indivíduos portadores de diabetes tipo 1, principalmente crianças e adolescentes, os profissionais envolvidos devem estar cientes da importância do envolvimento dos seus cuidadores no contexto do tratamento. Esta supervisão é fundamental, especialmente na primeira infância, e o acompanhamento constante contribui para que, gradativamente, os pacientes tornem-se capazes de realizar sozinhos o seu autocontrole.

    Pelo fato de não haver estudos específicos com diabéticos sobre necessidades de nutrientes, as diretrizes nutricionais da American Diabetes Association (ADA) fundamentam-se nas recomendações vigentes para crianças e adolescentes saudáveis. Diversos estudos evidenciam inadequação na alimentação em grande parte das crianças e dos adolescentes, por apresentarem baixo consumo de hortaliças e frutas e, consequentemente, com alta ingestão de alimentos ricos em gordura. Observa-se o mesmo comportamento alimentar em diabéticos. Portanto, a ênfase inicial do tratamento dietético deve ser a adequação da ingestão de nutrientes. Posteriormente, deve-se ater a aspectos mais específicos relacionados diretamente ao controle da glicemia. É importante ressaltar que alguns estudos mostram que crianças diabéticas com boa adesão ao tratamento possuem hábitos alimentares mais saudáveis em comparação com não-diabéticas.

Recomendações Nutricionais

      Existem várias abordagens nutricionais para o controle do diabetes, e a melhor é aquela com que portador de diabetes e o profissional que o acompanha se sintam mais confortáveis, além de conseguirem o melhor controle. Algumas vezes, percebe-se que aquele plano alimentar recomendado no início do diagnóstico da doença não mais se ajusta às expectativas e aos tratamentos atuais, e aí a necessidade de um novo plano alimentar.

► Energia e Controle de Peso

    O total de calorias da dieta no diabetes tipo 1 em crianças e adolescentes deve ser suficiente para, ao lado do tratamento insulínico, normalizar os níveis de glicose, prevenindo a hipoglicemia. Ao mesmo tempo, deve-se garantir o crescimento e o desenvolvimento adequados.

    É importante considerar a eventual presença de sobrepeso, crescimento e dados mais subjetivos, como o apetite dos pacientes, para adequar a quantidade energética da dieta. O valor calórico da dieta deve objetivar a recuperação de peso em crianças e adolescentes com deficiência ponderal no momento do diagnóstico. Observa-se, entretanto, durante o tratamento, aumento da prevalência de sobrepeso nessa faixa etária, provocado pela falta de atividade física e o consumo de alimentos com alta densidade energética, com elevado teor de gordura.

      Além da ingestão inadequada de alimentos, a insulinização excessiva pode contribuir para o ganho de peso, por meio do estabelecimento de um círculo vicioso, no qual o paciente toma cada vez mais insulina, ingere quantidade cada vez maior de alimentos, ganha mais peso, necessita de mais insulina e come mais, tornando-se cada vez mais obeso e mais resistente à insulina.

► Carboidratos

     A recomendação nutricional reconhecida como importante aspecto no tratamento do diabetes tem sido também uma área de persistente controvérsia, particularmente no tocante à proporção e tipos de carboidratos e gorduras. As novas diretrizes não fazem restrições ao consumo de qualquer tipo de carboidratos (vide post carboidratos). Fundamentada em critérios adotados pela Recommendad Dietary Allowances (RDA), publicada pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), A ADA recomenda que a ingestão mínima de carboidratos deva ser de 130g/dia.
 
      A ADA recomenda a ingestão de 20 a 35g de fibras / dia e, para tanto, orienta aumento do consumo de alimentos como frutas, hortaliças e grãos, que, adicionalmente, fornecem micronutrientes, como vitaminas e minerais, fundamentais ao bom funcionamento do organismo, contribuindo para importantes reações metabólicas. Fibras com características viscosas (guar, pectina, psillium) relacionam-se ao controle da concentração plasmática de colesterol e à normalização da glicemia. Contribuem para a redução do colesterol por diminuir a absorção de ácidos biliares no íleo. Dessa forma, o fígado recruta colesterol da circulação para a síntese de novas moléculas de ácidos biliares. É importante ressaltar que, isoladamente, a eficiência das fibras na redução do colesterol é pequena. Portanto, a sua ingestão deve fazer parte de uma dieta balanceada e com quantidade e qualidade recomendadas de gordura.

   Em relação à normalização da glicemia, sabe-se que as fibras retardam a absorção da glicose melhorando a sua tolerância. Estudos mais recentes mostram que a ingestão adequada de fibras na dieta eleva os níveis de adiponectina, que resulta melhores da sensibilidade à insulina, redução de inflamação e melhora da concentração plasmática de glicose em diabéticos. O carboidrato é um nutriente importante e fundamental à saúde, motivo pelo qual se recomenda que a sua ingestão seja de aproximadamente metade das calorias da dieta. É preciso ressaltar, entretanto, que existe grande preocupação com o excesso da ingestão de carboidratos, que tem sido um hábito cada vez mais freqüente entre a população. Esta conduta leva à obesidade com suas consequências metabólicas. Deve-se lembrar que mesmo uma dieta balanceada (55% de carboidratos, 15% de proteínas e 30% de gorduras), mas com alto valor calórico, fornece, em gramas, grande quantidade de carboidratos. Esta ingestão excessiva realmente excede a capacidade de o fígado metabolizar e armazenar glicose na forma de glicogênio e, assim, a glicose é transformada em ácido graxo, induzindo maior secreção hepática de lipoproteínas de muito baixa densidade (VLDL), levando ao aumento da concentração plasmática de triglicérides.

► Contagem de Carboidratos

       Em diabéticos tipo 1, a abordagem mais efetiva no controle da glicemia pós-prandial é o ajuste das doses de insulina antes das refeições com base na quantidade de carboidratos consumida. Pode-se fixar as doses de insulina e as quantidades de carboidratos na dieta. Quando houver variação em ambas, entretanto, é possível estimar a quantidade de carboidratos para se determinar a dose de insulina a ser empregada.

      Sabe-se que o balanço entre a ingestão de carboidratos e as doses de insulina determinará a resposta da glicose pós-prandial. Para tanto, há uma variedade de métodos que podem ser utilizadas como estratégia para o controle glicêmico, por exemplo, a contagem de carboidratos, a tabela de substituições ou mesmo a estimativa fundamentada em evidências.

     O paciente é orientado a calcular a quantidade de carboidratos da refeição, utilizando tabelas de composição de alimentos. Deve ser treinado a ingerir quantidades consistentes de carboidratos nas refeições e lanches. Assim, a dose de insulina prandial será correspondente à quantidade de carboidratos ingerida, utilizando-se o teste de glicemia pré e pós-prandiais. Quando as glicoses pré e pós-prandiais atingirem valores desejáveis, é estabelecida a razão insulina/carboidrato, dividindo-se o número em gramas de carboidratos pela dose de insulina utilizada no pré-prandial. Existem várias formas de determinar a razão adequada, considerando-se uma série de fatores, principalmente o tipo de insulina utilizada no tratamento. É importante ressaltar que essa razão pode variar, dependendo do horário, do estresse, da presença de determinadas doenças e das variações na atividade física. Em relação a esta última, estudos mostram que muitas vezes é necessário reduzir até 75% da dose de insulina, de acordo com a atividade realizada.

A ADA segue a recomendação da OMS (Organização Mundial de Saúde), de ingestão máxima de 10% das calorias na forma de sacarose (vide post carboidratos). Recomenda também a monitorização do consumo de carboidratos, seja por meio de contagem, lista de substituições ou estimativas fundamentadas em experiência clínica.
 
► Proteínas

            Não há evidência para a restrição do consumo de proteínas com o objetivo de prevenir a doença renal. A recomendação de proteínas é a mesma indicada para a população geral, ou seja, 0,8 a 1,0g/kg de peso corporal, mesmo para os indivíduos com início da doença renal (vide post sobre doença renal). No entanto, indica-se 0,8g de proteínas no estado mais avançado da doença renal.

► Lipídios

            A quantidade e o tipo de gordura na dieta são fatores determinantes da concentração plasmática de lipídios e lipoproteínas no plasma. Do ponto de vista nutricional, os lipídios de maior importância são os triglicerídeos, representando 98% das gorduras da dieta, os diglicerídeos, os fosfolípides e, finalmente, os esteróis, compostos por colesterol e fitoesteróis. A principal fonte dos triglicerídeos são as gorduras vegetais e animais. O colesterol é um álcool que se encontra dissolvido nas gorduras de origem animal, não sendo produzido em vegetais. O intestino absorve cerca de 50% do colesterol da dieta e o restante é excretado nas fezes. O colesterol do organismo origina-se, basicamente, de duas fontes distintas: dieta e síntese tecidual. A ingestão diária de colesterol é de aproximadamente 250 a 300 mg e as células produzem aproximadamente 1000 mg de colesterol. Por este motivo, os ácidos graxos saturados induzem maior elevação de seus níveis do que o próprio colesterol alimentar. Os fitoesteróis são componentes estruturais das células dos tecidos vegetais e se classificam em estanóis e esteróis. Possuem baixa absorção intestinal e competem com o colesterol no momento de sua absorção, induzindo, assim, sua maior excreção.

Os principais ácidos graxos saturados relacionados à elevação da colesterolemia e do LDL-colesterol são o ácido palmítico, principal fonte de gordura saturada na dieta e o mirístico, presente em leite e derivados que possui maior ação hipercolesterolemizante. A gordura saturada eleva o colesterol no plasma, por induzir a diminuição dos receptores hepáticos de LDL (mau colesterol). Os ácidos graxos trans, presentes na gordura vegetal hidrogenada e em diversos alimentos industrializados, possuem efeito adverso adicional ao da gordura saturada, porque, além de elevarem a colesterolemia, reduzem a concentração plasmática de HDL (bom colesterol). Já os ácidos graxos monoinsaturados, presentes no azeite de oliva e no óleo de canola, não elevam a concentração plasmática de colesterol e LDL. Os ácidos graxos monoinsaturados não elevam a glicemia quando comparados com a dieta rica em carboidratos (> 55% das calorias).

Estudos recentes têm mostrado em indivíduos diabéticos que os ácidos graxos saturados e trans pioram a função endotelial, pois elevam a concentração plasmática de TNF-alfa, interleucinas e moléculas de adesão. A ADA recomenda ingestão máxima de 7% das calorias na forma de ácidos graxos saturados. O consumo de ácidos graxos trans deve ser minimizado e o de colesterol não deve ultrapassar 200 mg/dia. Em relação aos ácidos graxos ômega-3, recomenda-se a ingestão de duas ou mais porções de peixe por semana. Como parte do tratamento da hipercolesterolemia moderada, pode ser utilizado 2 a 3 g de fitoesterol/dia.
 
► Adoçantes

   Os edulcorantes são produtos comumente utilizados na alimentação de indivíduos diabéticos e obesos. São indicados em substituição ao açúcar comum, sacarose, com a finalidade de, respectivamente, evitar a ocorrência de picos hiperglicêmicos e reduzir o teor calórico das dietas. Diferem quanto às suas propriedades químicas, poder adoçante e estabilidade na cocção e possuem finalidades e aplicações distintas.

    Os adoçantes são classificados em duas categorias: calóricos e não calóricos. Os adoçantes calóricos não são contra-indicados para diabéticos quando utilizados em pequenas quantidades nas preparações e em combinação com outros adoçantes. Porém, quando utilizados na forma livre, como é o caso da frutose, deve-se considerar o seu valor calórico e as possíveis alterações glicêmicas que possa provocar. Entre os adoçantes nutritivos encontram-se a frutose e o sorbitol. Os não-nutritivos são: o aspartame (fenilalanina + ácido aspártico), a sacarina e o ciclamato, os três produtos sintéticos; o acessulfame-k, um sal de potássio; e a sucralose, derivada da cana-de-açúcar. Todos os edulcorantes são seguros para uso em diabéticos.

► Álcool

           O álcool é metabolizado preferencialmente pela via da álcool desidrogenase, enzima responsável pela sua conversão a acetil CoA, precursor da síntese de ácidos graxos e, consequentemente, da síntese de triglicérides. Seu alto teor calórico também deve ser considerado, uma vez que fornece 7 kcal/g. Induz tanto o aparecimento de hipoglicemia, por inibir a neglicogênese (produção de glicose a partir de substratos que não os carboidratos, particularmente, o lactato, aminoácidos e glicerol) hepática, como um quadro de hiperglicemia quando consumido com grande quantidade de carboidratos.

Demonstrou-se recentemente, em diabéticos tipo 1, que o álcool atenua a resposta do hormônio de crescimento em estado de hipoglicemia. Esta ação retarda a normalização da concentração plasmática de glicose. A última diretriz da ADA de 2008 faz as seguintes considerações quanto ao consumo de álcool: deve ser moderado entre adultos, com ingestão máxima de duas doses para homens e uma dose para mulheres; quando ingerido juntamente com carboidratos em bebidas mistas, provoca hiperglicemia; com a finalidade de prevenir a hipoglicemia
em diabéticos que utilizam insulina, o álcool deve ser ingerido juntamente com alimentos. O consumo de álcool deve ser restrito para pacientes portadores de hipertrigliceridemia e de neuropatia diabética.

As informações contidas neste blog, não devem ser substituídas por atendimento presencial aos profissionais da área de saúde, como médicos, nutricionistas, psicólogos, educadores físicos e etc. e sim, utilizadas única e exclusivamente, para seu conhecimento.

Referências Bibliográficas:

Costa, PCA; Franco, LJ. Introdução da sacarose no plano alimentar de portadores de diabetes mellitus tipo 1 – sua influência no controle glicêmico. Arq Bras Endocrinol Metab 2005, v.49, n.3: p. 403-409.

Lottenberg, AMP. Características da dieta nas diferentes fases da evolução do diabetes melito tipo 1. Arq Bras Endocrinol Metab 2008, v.52, n.2: p. 250-259.

Sociedade Brasileira de Diabetes. Plano Alimentar e Diabetes Mellitus Tipo 1. Disponível em: www.sbd.org.br Acessado em: 30/06/2013.